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terça-feira, 26 de outubro de 2010

IMAGENS DE MERA CIRCUNSTÂNCIA

O tema que adentro hoje é a poesia, que já existe na minha vida há algum tempo.

Certo é que tenho vários autores que me influenciaram e me incentivaram a ler mais e tentar escrever (digo tentar, pois, não passa disso realmente), mas um dos que mais me marcaram foi Carlos Drummond de Andrade.

Como se não bastasse ainda existiam pessoas mais próximas que foram culpadas por essa minha predileção, valendo citar algumas:

Primeiramente o saudoso mestre e primo Hélio Teles, professor de matemática, que conheci nos corredores da escola Estadual José Alzamora, passams a travar alguns debates e até mesmo conversas despretensiosas sobre qualquer coisa, durante o intervalo das aulas, vindo, posteriormente, a freqüentar sua casa, trocávamos alguns livros, me emprestava sua máquina de escrever e sempre falávamos de poesia, enfim, passei a cultivar realmente uma bela amizade, que foi interrompida de forma brusca com sua morte (confesso que chorei quando soube, mas tomei umas cervejas em sua memória, ouvindo Bethoven).

Certo é que este mestre dominava, dentre vários assuntos a literatura e a língua portuguesa como poucos e tinha uma cultura privilegiada. Um de seus feitos, que para ele nada dizia (pessoa sempre modesta), mas era de realmente ter orgulho, era uma era menção honrosa que ele tinha recebido junto à OEA – Organização dos Estados Americanos - por um conto escrito, que ganhou, naquela época, alguns dólares como prémio e, ainda a publicação em um livro de coletâneas de seu conto, pois tinha ficando em segundo lugar num concurso disputado por vários escritores e poetas de toda américa latina, o que chamava a atenção também é que ele ficava contrariado com a quantidade de erros cometidos no livro de sua obra, pois era muito detalhista e perfeccionista.

Bem, além do meu saudoso mestre, ainda vale mencionar a boa influência que meu amigo “Marcinho do Lauri” tinha, pois, apesar de ser uma pessoa muitas vezes taciturna (típico mineiro) para os outros (quem não o conhece) é detentor de uma vasta gama de conhecimentos, com uma inteligência ímpar, e adquiriu tudo isso lendo e lendo muito, ou seja, um completo autodidata, o que, tendo em vista nossa amizade e proximidade, passou a incentivar meus hábitos, até então não explorados nas páginas de Garcia Márquez, João Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, dentro outros, o que só tenho a agradecer e muito, além é claro de sua amizade, que prezo ainda muito em cultivar.

Também tenho gratidão pelo poeta e jornalista, que também já nos deixou, Marley de Moura, figura sempre presente nos acontecimentos culturais de Bambuí da época.

No que diz respeito à essa influência, apesar de ter tido pouco convívio, o que realmente não esqueço, é que numa certa ocasião apresentei algumas poesias minhas, quando então, muito delicadamente, ele apresentou algumas considerações (estavam muito ruins mesmo minhas tentativas de escrever poesias) e ainda, naquela ocasião, me aconselhou mais ou menos assim: “leia, leia e leia muito de tudo um pouco e isso irá ajudá-lo em suas palavras”, realmente um bom conselho que na época soube digerir bem, apesar de minha impetuosa adolescência.

Diante dos vários conselhos e influências passei a ler muito e grata também foi a ocasião em que me deparei com uns escritos de meu bisavô Elias Mourão, escritos com impecável letra (toda desenha e provavelmente escrita à pena) junto às páginas amareladas de uns livros, que sorrateiramente me apoderava da estante da casa de minha avó paterna sem que eles percebessem.

Ainda valendo mencionar que também fiquei feliz e porque não dizer orgulhoso em ler livros de meu primo e já escritor consagrado Rui Mourão (hoje diretor do museu da Inconfidência em Ouro Preto), que eram guardados pela minha tia Ana Leandro com muita dedicação (me cobrava a devolução dos mesmos quando demorava alguns dias a entregar!!!), sendo certo que um de seus livros tornou-se hoje um livro de cabeceira meu: Boca de Chafariz de 1992.

Mais hodiernamente passei a ter contato com meu primo, jornalista, poeta e escritor José Aloise Bahia, com vários livros escritos e com uma produção bem fértil junto à sites (vide Conópios indicado nos links que sempre faço visita) e eventos de arte e literatura.

Pois bem, José Aloise com suas agradáveis conversas (minha esposa Elen também adora tomar umas cervejas em sua companhia), dicas, e-mails, livros (empréstimos – jamais esqueço um livro que ele me emprestou sobre Kafka, escrito por Leandro Konder se não me engano), enfim, todo seu carisma e, diga-se de passagem, um exemplo de como realmente exprimir sentimentos em seus versos de forma verdadeira.

Sobre José Aloise também me lembro de uma ocasião em que saímos juntos na noite belorizontina há vários anos e dormi em sua casa num colchão armado na sala e como não tinha intimidade para procurar em uma gaveta qualquer uma caneta e um papel, fiquei quase que a noite inteira acordado, para que, enfim, pudesse copiar uma poesia que tinha vindo à tona na madrugada, tentando vencer o sono e a ansiedade para passá-la para o papel, pois, não queria perdê-la.

No entanto, o que acabou acontecendo é que o sono venceu a batalha e claro, no outro dia, com meu grau de etilismo reduzido à uma sutil e insistente ressaca a referida poesia não me pareceu assim tão bela e totalmente desnecessário o meu sono perdido!

Jamais esqueço também algumas rodas que fazíamos, eu e alguns amigos: Márcio “Barracos”, Alessandro “AM”, Marcim do Lauri e Marcus “Nana” para bebermos (todas por sinal!) e, após um certo grau de etilismo rabiscávamos cada um uma frase mais desconexa que a outra, as quais lidas num contexto geral acabavam tendo um certo sentido poético, mas claro ainda assim sem nexo algum!!! Era realmente muito prazeroso para mim na ocasião!

Como se não bastasse, li uma crônica escrita por Vinícius de Moraes, na biblioteca do Colégio Estadual João Batista de Carvalho em Bambuí, que me despertou ainda mais para a poesia, onde em apertada síntese ele expõe que, diferentemente, de um quadro que pode ser exposto numa parede em galerias, de uma sinfonia que pode ser executada para uma platéia, dentre várias outras formas de arte, a poesia, por sua vez, não poderia ser apreciada numa galeria ou executada em grandes teatros.

Diante disso ela seria aos olhos de leigos uma suposta arte inútil e que, dessa forma, essa suposta e pseudo inutilidade a tornava diante de todas as artes uma forma mais completa e sincera de arte por assim dizer e essa seria toda a beleza da poesia.

Bom, dito isso, meu intuito, além de tecer os comentários acima é destacar uma poesia feita por Carlos Drummond de Andrade, que pode ser encontrada no livro Boitempo III (esquecer para lembrar) e intitulada “Três no Café”.

Confesso a vocês que é uma das poesias que mais gosto, pela simplicidade e pela plasticidade textual magnífica de gestos, sentimentos, cor e sons, numa perspectiva tridimensional em um plano único, conseguindo passar um encontro qualquer entre o poeta, seu velho pai e a banalidade da vida, com a morte sempre rondando, o tempo passando, o respeito entre o filho e pai, enfim a efemeridade de um simples e ao mesmo tempo complexo encontro.

Vale destacar que me marcou e, ainda hoje me marca também é a frase final desse singelo/complexo poema: Imagens de mera circunstância ou do obscuro irreparável sentido de viver.

Portanto, amigos para que vocês possam avaliar e se deleitarem eis o referido poema:

TRÊS NO CAFÉ

No café semideserto
A mosca tenta
Pousar no torrão de açúcar sobre o mármore.
Enxoto-a. Insiste. Enxoto-a.
A luz é triste, amarela, desanimada.
Somos dois à espera
De que o garçom, mecânico, nos sirva.
Olho para o companheiro até a altura da gravata.
Não ouso subir ao rosto marcado.
Fixo-me na corrente do relógio
Presa ao colete; velhos tempos.
Pouco falamos. O som das xícaras,
Quase uma conversa. Tão raro
Assim nos encontrarmos frente a frente
Mais que por minutos.
Mais raro ainda
Na banalidade do café.
A mosca volta.
Já não a espanto. Queda entre nós,
Partícipe de mútuo entendimento.
Então, é este o mesmo homem
De antes de eu nascer
E de amanhã e sempre?
Curvado.
Seu olhar é cansaço de existência,
Ou sinto já (nem pensar) a sua morte?
Este estar juntos no café,
Não hei de esquecê-lo nunca, de tão seco
E desolado – os três
Eu, ele, a mosca - :
Imagens de mera circunstância
Ou do obscuro
Irreparável sentido de viver.

É claro que muitos de vocês talvez não sintam a mesma força que senti na ocasião em que li pela primeira vez estes versos e essa é a beleza de uma poesia, que pode ser apreciada de vários ângulos e dependerá sempre do momento em que o leitor esteja lendo e de seus sentimentos na ocasião da leitura.
No meu caso a referida poesia ainda rendeu duas “tentativas” de escrever poemas, que explicitamente demonstram minha influência, senão vejamos:

CAMINHAR A ESMO

O homem caminha cambaleante e taciturno,
Alheio a tudo e todos ligados a ele.
Em sua embriaguez brota-lhe tamanha sensibilidade
Que não se contem e rompe-se em prantos.
Lamúrias não o recomporão em nada!

O homem já não caminha,
Agora se encontra inerte e ermo,
Olhando fixamente para o solo,
Onde pisou em vão (até agora).
Buscando uma tentativa frustrante de reencontrar seus sonhos.

O homem já não irá mais caminhar,
Não compreende o sentido de viver.
Entregou-se totalmente à ferrugem dos dias,
Talvez originada por derrotas ao longo de sua trajetória.
Fazendo disso uma camuflagem para seus erros.

O homem jamais caminhou,
Pois, foi e sempre será paciente
Do escoar do tempo e da vida
Em taciturnidades quase constantes.
Enfim, suas pernas foram amputadas por sua afasia!

ANALOGIA
O pássaro voa, insistentemente, contra o vento,
Até ser vencido pela fadiga
e falta de vontade em continuar vivendo.
Deixa, então, ser levado numa completa nau aérea...
Movido por um instinto fugaz, ele luta contra si mesmo,
Enquanto o sedento oceano abaixo o espera para engolir.

Por outro lado, a mosca permanece inerte,
Alheia aos sentimentos (in) humanos
Que podem findar
Seu banal sentido de vida,
Pois, uma simples mão pode tornar fatal seu descuido!

“Tudo sendo um”, eles se parecem.
Não em “relevância social”,
Mas numa constante necessidade de sobrevivência.
Porque estar vivo é nos depararmos com a surreal visita da morte,
Mesmo na mais “suposta” banal forma de vida.

Esta é a única certeza que carregamos.

Pois, “após o jogo peão e rei voltam à mesma caixa”.

Portanto, acredito que poesia é a mais sincera das artes e representa para mim não somente uma forma de expressão, mas um diário, no qual tento exprimir meus sentimentos e angústias vivenciadas num dado momento, tornando-se, dessa forma, uma “válvula de escape” cotidiana.

Grande abraço para todos vocês meus amigos e não se esqueçam leiam de tudo um pouco, mesmo que seja uma simples bula de remédio, pois, as palavras estão soltas no ar e cabe a nós aproveitarmos...

IVARLENO TELES


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